sábado, julho 22, 2006

SORTE OU OPORTUNIDADE ?

Uma das queixas mais comuns entre as pessoas que apreciam jogos de tabuleiro é a presença do fator sorte. Os aficionados por jogos de estratégia alegam que as possibilidades de criar novas táticas decrescem de forma determinante, onde o fator sorte se encontra presente.

É óbvio que se tudo dependesse exclusivamente de um simples jogar de dados ou sorteio, a graça de qualquer jogo ficaria muito limitada. Acontece, entretanto, que na vida nem tudo depende integralmente de nossas decisões. Há um quê de imprevisto, que justamente dá o “tempero” em qualquer acontecimento e lhe torna marcante, tanto para o sucesso quanto para o fracasso. É onde entram os fatores das leis do caos. Um sistema caótico, segundo os físicos, tem na verdade uma ordem baseada nas variáveis que envolvem o problema ou evento e que apenas aparenta ser aleatória ou acidental para aquele que olha a situação de forma limitada. Dizem eles, que nenhum fator acidental é realmente obra do acaso ou sorte – “o acidente” é apenas uma variável caótica que afeta todo o universo da situação e que por conta de sua ocorrência, determinará o curso da ação e continuidade dos eventos. À luz disso, qualquer jogo baseado exclusivamente no peso das decisões, sem a presença de um significativo fator de aleatoriedade seria igualmente falso e virtualmente diferente do que acontece nos eventos diários.

Quando os aliados pretenderam invadir a Normandia em 1944, estes ficaram vários dias na dependência de que o clima permitisse o desembarque das tropas, correndo o risco de que os alemães descobrissem o local do ataque e para lá deslocassem o grosso de suas forças. O general Eisenhower tomou a arriscada decisão de atacar em 6 de junho, mesmo com as chances do clima piorar, como alguém que joga dados em um jogo. Risco consciente, mas risco. Suas chances foram matematicamente calculadas para uma perda de sete homens em cada dez e assim mesmo, com a chance de sacrificarem 7/10 da tropa, atacaram (no final foi uma perda de 3/10). Sorte ou Oportunidade? Ele assumiu um risco calculado, tal como se faz numa aposta.

Um jogo que pretenda eliminar todos os fatores da aleatoriedade, está fadado a ser no mínimo inconsistente e no máximo, terrivelmente maçante. Temos aí o jogo da velha, como um grande exemplo de maçante jogo sem sorte ou mesmo o jogo de damas, que perde facilmente em popularidade para o gamão, que combina decisões com a aleatoriedade nos dados.

Quando originalmente desenvolvi meu jogo BUSHIDO – A BATALHA DE SEKIGAHARA, também eu cometia o erro de tentar reduzir os fatores da sorte ao mínimo possível, na tentativa de criar um jogo que poderia ser considerado totalmente estratégico. Foi quando deparei em minha pesquisa, com as condições onde a batalha ocorrera e percebi que nem tudo dependera exclusivamente das decisões dos combatentes. Chovera torrencialmente na noite anterior e o “tabuleiro original”, o campo de Sekigahara, tornara-se um mar de lama, um atoleiro que impediria qualquer deslocamento livre. Se era possível avançar três metros numa direção, um desvio logo se impunha à frente; se a primeira vista dava para planejar uma carga de ataque, deparavam-se os combatentes com a necessidade de recuos e retrocessos, a fim de contornar os obstáculos do terreno – o local de batalha era um terreno totalmente aleatório e imprevisível. E isso, se não contarmos que todos estavam totalmente encharcados pela tempestade, com suas armaduras de bambu molhadas, pesando mais de 60 quilos. O ataque e o contra-ataque de cada participante ficou muito comprometido, entre o manter-se de pé em equilíbrio, deslocar-se, defender-se e agrupar de forma conveniente – tudo muito diferente de um simples tomar de decisões num tabuleiro uniforme: “Vou avançar por ali e seguir em frente, direto...”. Foi daí que me surgiu a idéia de empregar nas cartas de movimento esta aleatoriedade, com passagens possíveis e impossíveis. Já nos ataques, introduzi um modificador que habilitasse contra-ataques e blefes, para que cada jogador refletisse e planejasse estrategicamente suas possibilidade de sucesso num combate.

Em cada carta de deslocamento, decisões devem ser tomadas entre as rotas passíveis de serem escolhidas. E uma vez que não há uma carta de movimento sequer no jogo, que limite o deslocamento a apenas uma única direção, a tomada de decisões foi preservada. Mesmo com a retirada de uma carta de movimento pior, a tomada de decisões é sempre possível e soberana, preservando as chances táticas e estratégias de cada jogador. Na verdade, a introdução deste elemento de aleatoriedade apenas passou a destacar aqueles que são capazes de perceber as oportunidades e adaptar suas decisões às limitações surgidas. E é justamente desta adaptabilidade que mais se aproveitam os grandes estrategistas e pessoas que assumem as decisões e agarram as oportunidades.

As chances de ataque no BUSHIDO estão sempre presentes, já os contra-ataques dependem de uma clara avaliação das forças opostas do adversário. Isso não esquecendo é claro, das possibilidades de ludibriar o adversário com um bem armado blefe, sugerindo a ele possuir uma grande força de resposta no caso de ser atacado. A capacidade de blefar em campo de batalha também pode ser uma tática, que às vezes é crucial. A maior batalha aeronaval já ocorrida, em Samar, no Golfo de Leyte em 25 de outubro de 1944, foi definida por um dos mais atrevidos blefes da história, onde a força naval americana “Taffy 3”, insignificante, iludiu a poderosa frota japonesa comandada pelo Almirante Takeo Kurita, fazendo-a mudar sua direção de ataque, o que a levou a destruição pelo grosso da frota naval do Almirante Halsey. Diferente do que se prega, a adversidade “nos dados da vida” não apenas desfavorece, mas também desperta o talento adormecido, a adaptabilidade e o senso de oportunidade.

Seja sorte ou oportunidade, a imprevisibilidade é um elemento que deve sempre “temperar” bons jogos, permitindo assim que cada jogador treine sua adaptabilidade na tomada de decisões, seja qual for o cenário, favorável ou desfavorável, assim como no viver.

Lucio Abbondati Jr.

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Para vencer na vida o mais importante é a sorte, claro que é um exagero, precisamos estar preparados, treinados, escolados...ter qualidade...porém quando a bola em um jogo de tênis bate na "fita" não importa se o tenista é o primeiro o ultimo do ranking, se a bola cair para o lado dele da quadra ele não vai conseguir pegá-la; ou seja; a sorte deu a um deles o ponto independente da diferença de qualidade entre eles...Não é minha essa idéia, vi em um filme...mas concordo...

9:37 PM  
Blogger Lucio Abbondati Jr Lucia Vasconcellos Abbondati said...

E é exatamente esse elemento aleatório, tão pouco valorizado nos jogos, que torna todo os jogos de tabuleiro (ou nas quadras de tênis), tão interessantes. Eles não se resumem apenas numa avaliação de desempenho qualitativo. Também avaliam o estado dos jogadores no dia, suas aflições, inseguranças e as condições no momento da disputa. Todos estes fatores contribuem para a aleatoriedade, fazendo com que cada jogador seja obrigado a adaptar-se à variabilidade de condições. Isto garante emoção, testa desempenho em condições adversas e evita a conformidade (tal como acontece nos videogames, onde depois de 4 ou 5 partidas, todo mundo já sabe o que acontece em cada etapa, onde estão os perigos e passagens mais fáceis).

O que a bola na fita nos proporciona na verdade, é a sensação de que cada momento é único e que devemos a cada instante, rechecar nossos procedimentos e decisões, para compensar a adversidade ou para aproveitar as oportunidades.

Os jogos que utilizam dados, nos proporcionam exatamente oportunidades de testar nossas decisões, frente às escolhas que nos cabem.

Muito obrigado pelo seu comentário.
Este debate é muito estimulante, continue vindo!!!

Lucio

8:25 PM  
Anonymous Anônimo said...

Gostaria de discutir um pouco sobre o seu jogo... acabei de comprá-lo e acho q tem uma parte q nao entendi direito.. favor me mande um email em eugeniomarques@oi.com.br

12:57 AM  
Blogger Thiago Boaventura said...

Opa, conheci hoje seu blog e gostei bastante. Quanto ao fator sorte, acho que serve de tempero ao jogo, principalmente para dar mais rejogabilidade. Mas acho que deve ter a preocupação do autor em mitigar a sorte ao máximo. O controle da sorte é essencial para diferenciar os jogos realmente bons dos joguinhos passatempo. Um bom jogo é aquele onde, geralmente, o que jogou melhor conseguiu a vitória e teve seus méritos.

2:08 PM  

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