A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA FORMAÇÃO HUMANA
Conclui o curso de graduação da Faculdade de Produção Cultural da Universidade Federal Fluminense, defendendo a tese “O Brinquedo como Instrumento Cultural”, pois considero brinquedos e jogos como instrumentos simulatórios e ferramentas interativas de primeira grandeza. Este trabalho acabou resultando mais tarde, na publicação de meu livro “Jogos & Soluções Interativas”, pela Qualitymark, em parceria com minha esposa Lucia Vasconcellos Abbondati.
Pergunte a qualquer adulto sobre a importância de bater uma bolinha com os amigos e ele discorrerá sobre o relacionamento, a camaradagem, a “ginga” e a estratégia que empregou nesse ou naquele lance, para chegar a uma vitória. A bola em si, se olhada isoladamente, não parece trazer qualquer benefício, mas sua utilização reveste-se de tantas possibilidades, que considerar seu uso como uma simples diversão, seria como reduzir os benefícios da corrida espacial a um mero passeio.
Numa soma de destreza, planejamento, uso de habilidades adquiridas, percepção de oportunidade, visão espacial, trabalho em conjunto, responsabilidade, desempenho motor, conhecimento e aplicação de regras, métodos e procedimentos, além de desenvolver a habilidade para discernir riscos e tomar atitudes on time, este simples jogo composto por apenas uma bolinha e nada mais, acaba por trazer um número extraordinário de experiências aos participantes.
O escritor Oliver Wendell Holmes (1809 - 1894) dizia que “Os homens não param de brincar por que envelhecem; envelhecem por que param de brincar”. Referia-se ele ao fato de experimentar com possibilidades sem receio, que é o que todo jogo oferece aos homens. E arriscar chances num mundo que trata o erro como algo deplorável, onde desde a mais tenra infância sugere-se que errar produz péssimas conseqüências, é abrir um campo completamente novo de possibilidades - o jogo e o brincar contam com o erro, para ensinar a acertar – a mais pura e eficiente forma de aprendizado, a “tentativa e erro”.
Vim de uma época diferente, a década de 60 e como tal, sou produto de um momento onde o erro se fazia escada para o acerto. Ninguém usava capacete, joelheira, tornozeleira, luvas especiais ou caneleira para aprender a andar de bicicleta ou patins. A regra era bem simples: “do chão não passa!” Vivíamos nos ralando, aprendendo com tombos, levantando, sacudindo a poeira e dando a volta por cima. Era a época onde band-aid, mercúrio cromo e mertiolato reinavam. Saíamos para brincar pela manhã e voltávamos à noite imundos, moídos e felizes! Chutes nos postes ao tentar acertar a bola, joelhos esfolados e ocasionalmente, galos na cabeça, faziam parte de nosso cotidiano. Subir em árvores para apanhar ingá e tamarindo ou jogar taco na rua, garrafão, bandeirinha, pique de todos os tipos (pega, esconde, etc), queimado, carniça, bola de gude, vôlei, pião, soltar cafifa e pipa (que podia ser do tipo arraia, morcego ou pião, com ou sem cerol) e um sem número de jogos sem nome, que inventávamos todos os dias. Aprendíamos a lidar com regras e a segui-las, a formar camaradagem com os amigos e a respeitá-los. Regras de jogo serviam para a vida.
Meus heróis sempre foram os construtores, idealizadores, e geradores: faziam seu próprio destino e não eram domados pelas dificuldades, refletindo aquele período menos cínico e cheio de esperanças. Como eles, eu e uns tantos outros queríamos nos tornar tão inteligentes quanto o Doutor Quest (Jonny ou Hadji eram apenas guris como nós e como tal, não “apitavam” em nada, o que os tornava sem graça). O barato era poder saber fazer de tudo como um cientista, viajando pelo mundo à vontade, procurando desvendar mistérios nas Pirâmides no Egito, no México ou nos mosteiros do Tibet. Almejávamos chegar ao espaço! Queríamos ser tratados como alguém respeitado por sua sabedoria. Foi o que me fez buscar brinquedos que me permitissem sonhar e procurar entender como as coisas aconteciam. Queria me apossar do conhecimento – me tornar um McGiver (que acabou sendo, aliás, o nome do meu canivete suíço, cheio de ferramentas e possibilidades, que ganhei de presente do meu pai aos 10 anos de idade – algo impensável nos dias de hoje, pois seria visto como uma arma). Brinquedos para isso, existiram em minha infância!
Com o MEC BRÁS, aprendi a montar e desmontar chapas de metal, rodas, roldanas, ganchos, polias, porcas, parafusos, eixos e manivelas, parafusando carros, guindastes, aviões, naves espaciais e tudo o mais que minha imaginação inventasse.
Com ele, aprendi a amar as ferramentas e perceber o poder que elas me davam, estendendo a capacidade de minhas mãos.
Abracei porcas, parafusos e etc.
Com o LABORATÓRIO QUÍMICO JUVENIL (Guaporé), descobri que combinar substâncias, produziam outras com propriedades diferentes.
Era o auge do famoso “Sangue do Diabo”, feito com fenolftaleína e amônia e que produzia uma forte cor vermelha que apagava, quando a amônia evaporava.
Com este, nascia um pouco do cientista que há em mim.
Com o POLIOPTICON, descobri que podia olhar mais longe ou mais perto; o pequeno se fazia grande e o grande, maior ainda. O mundo ficava infinitamente mais interessante, quando olhado através de uma lente. Descobri com o telescópio, que os pontos brancos que via de longe, nos morros que rodeavam a minha casa, eram cabritos e cabras que escalavam o paredão com a maior facilidade; que os planetas e estrelas me cercavam no céu, à noite e a Lua, era muito mais esburacada do que eu imaginava. Microscópios, binóculos, lupas, lunetas e periscópios, abriram os meus olhos para o que eu não podia ver.
Com o ENGENHEIRO ELETRÔNICO DA PHILIPS, descobri que todos os aparelhos tinham uma base em comum e que por vezes, utilizavam as mesmas peças, variando apenas a combinação. Telecomunicadores, sensores de umidade, células fotoelétricas, antenas de ferrite, transistores, resistências e capacitores, passaram a fazer parte do meu vocabulário. E que brincadeiras permitiam, como poder falar com meu irmão em outra sala através do intercom ou tocar música num órgão que eu mesmo construíra. A eletricidade revestia-se de muito mais significado, quando se podia criar algo com ela e não apenas usar um equipamento pronto. Ver meu irmão consertar um rádio com o que aprendeu neste brinquedo, mostrou-me que é possível descobrir qualquer coisa, quando há interesse em se obter resultados. Um pouco do Geek que eu sou, nasceu entre os transistores e capacitores deste brinquedo. Hoje, olho os computadores, celulares, pads e e-readers com a mesma naturalidade com que montava e desmontava meus aparelhos. São brinquedos de hoje.
Com os KITS DA REVELL, aprendi que há uma ordem para concatenar uma construção e que a precisão necessita de paciência, atenção e perseverança, mas principalmente, curiosidade para ver no que vai dar a tentativa. Aviões, tanques, helicópteros, foguetes, navios e caravelas, automóveis e naves de ficção, passaram por minhas mãos e ganharam vida, após serem colados e encaixados nas posições previstas.
Com o LABORATÓRIO FOTOGRÁFICO da Guaporé, aprendi a imortalizar o momento em um instantâneo, o que mais tarde me levou a ter o próprio laboratório, onde junto ao meu pai, passava horas ampliando e revelando fotos em preto e branco.
Descobri também que as “torturantes aulas de matemática” podiam se tornar divertidas, se aplicadas na construção de maquetes, cenários e veículos que eu via nos filmes, utilizando cartolina, cola polar, tesoura, régua, transferidor, compasso e esquadros. Isto me levou a ter todos os brinquedos mais legais do mundo, que não estavam a venda, mas que eu podia construir. Assim fiz nascer o Seaview (submarino do Almirante Nelson, de Viagem ao fundo do mar), o foguete em dois estágios de Fireball XL5, os tanques de guerra e de raios cósmicos que combatiam Godzilla; as naves de Jornada nas Estrelas e vários jogos de tabuleiro com super-heróis, construídos com imagens retiradas de revistas em quadrinhos. Minhas aulas poderiam ter sido muito mais divertidas, se meus professores tivessem dito logo que podíamos usar aquilo tudo para brincar. Por que os de hoje ainda não o fazem, é algo que me intriga profundamente. Talvez não saibam que isso é possível, tal como meus antigos mestres ignoravam.
Com os PINOS MÁGICOS da Elka, construí de tudo, desde o interior do Júpiter II, que levava a família Robinson de Perdidos no Espaço, até bicicletas; foguetes Mercury e Saturno V, naves Gemini e Apollo e inúmeras variações do Módulo Lunar. Na época, não tive acesso aos blocos de Lego, mas suspeito que teria adorado brincar com suas possibilidades.
Nos jogos que disputei, aprendi a documentar uma ocorrência com o GAROTO REPÓRTER; a investir e a enriquecer com o BANCO IMOBILIÁRIO (MONOPOLY), a controlar as fronteiras e descobrir como o mundo é vasto, num tabuleiro de WAR (RISK) ou como contornar a estratégia do adversário no tabuleiro de XADREZ. Jogar era e ainda é, uma grande sessão de aeróbica para a mente. Desafios, estratégias e estímulos para suplantar dificuldades. Jogar me ensinou a assumir riscos de forma controlada, a testar hipóteses e principalmente me colocar no lugar de meus adversários, para entender o que e como eles estavam pensando. Com os dados aprendi a lidar com as probabilidades e as tarefas nas cartas me instruíram a manter meu foco e atenção aos objetivos.
Tornei-me um produto de meus brinquedos: alguém interessado em descobrir como as coisas acontecem, com curiosidade bem alimentada e sempre presente, que olha os desafios como oportunidade para brilhar e não como motivos para ter medo. Brinco regularmente com minha família e amigos para manter minha mente em forma e com isto, rotina e tédio tornaram-se palavras vazias em meu dicionário.
Como médico, eu os venho utilizando sistematicamente com pacientes adultos e crianças desde 1989, com excelentes resultados, o que me levou a tornar-me colecionador destas ferramentas e conseqüentemente, desenvolvedor de brinquedos e jogos para a indústria – 12 deles já chegaram ao mercado brasileiro (click no link para vê-los).
Quem atribui ao universo dos brinquedos e jogos um caráter de passatempo inócuo e estéril, precisa rever seus conceitos e descobrir que extraordinária forma de interação eles propõem. São ferramentas para o incremento do desempenho cerebral e como tal, essenciais para evitar a deteriorização do intelecto, estimulando as faculdades superiores. Os adultos e idosos muito se beneficiariam com a sua prática regular, sem falarmos no futuro brilhante que prometem às crianças às quais ainda se permite ter seu momento lúdico diário.
Lucio Abbondati Junior
2 Comments:
olá eu gostaria muito de criar um jogo, você poderia me dar uma ajudinha? dizendo o que eu devo fazer, em que site entrar, etc.
para poder conseguir fazer
grato
Para poder respondê-lo adequadamente, gostaria de saber seu nome e, se possível um endereço de e-mail para que eu possa esclarecer suas dúvidas. Obrigado pelo seu interesse! Um abraço!!
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